Na maioria das vezes, os medicamentos são produzidos com a intensão da administração oral e para serem deglutidos. No entanto, acontece que pouca quantidade do fármaco (ou parte ativa de um medicamento) é absorvida até que ele chegue no intestino delgado, embora que alguns fármacos não polares que são colocados, por exemplo, debaixo da língua são absorvidos diretamente na boca.
Neste sentido, por ser mais importante, iremos tratar da absorção dos fármacos no intestino e quais são os fatores envolvidos nesse processo.
Como Funciona a Via de Administração Oral
A via de administração oral é um dos métodos mais comuns de administração de medicamentos, devido à sua praticidade e aceitação pelos pacientes. Quando um medicamento é ingerido, ele passa inicialmente pela cavidade oral e, em seguida, pelo esôfago, chegando ao estômago. No estômago, o medicamento começa a ser dissolvido e preparado para a absorção, que ocorre majoritariamente no intestino delgado.
O intestino delgado é o principal local de absorção devido à sua extensa área de superfície e à presença de microvilosidades que facilitam a passagem dos componentes do medicamento para a corrente sanguínea. Após a absorção, as substâncias ativas do medicamento entram na circulação portal hepática, sendo transportadas diretamente ao fígado.
O fígado desempenha um papel crucial no metabolismo dos medicamentos administrados por via oral. Este processo é conhecido como metabolismo de primeira passagem, no qual o fígado pode modificar ou metabolizar a substância ativa antes de ela ser distribuída pelo organismo através da circulação sistêmica. Dependendo do medicamento, essa primeira passagem pode reduzir significativamente a quantidade de substância ativa disponível para exercer seu efeito terapêutico, uma consideração importante na dosagem e formulação dos medicamentos orais.
Após a metabolização hepática, as substâncias ativas que permanecem são liberadas na corrente sanguínea e transportadas aos tecidos alvo onde exercem seus efeitos terapêuticos. A eficácia de um medicamento administrado por via oral pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo o pH do estômago, a motilidade gastrointestinal, interações com alimentos e outros medicamentos, e a capacidade do fígado de metabolizar a substância ativa.
Absorção de medicamentos no intestino
O mecanismo de absorção da maioria dos fármacos é o mesmo de outras barreiras epiteliais, ou seja, transferência passiva a uma velocidade que é determinada pela ionização e lipossolubilidade das moléculas do fármaco.
Como esperado, bases fortes com pKa de 10 ou mais são pouco absorvidas, assim como os ácidos fortes com pKa inferior a 3, porque estão totalmente ionizados. Existem alguns casos em que a absorção intestinal depende de transporte mediado por transportadores, e não da difusão simples.
Para este último caso, os exemplos incluem a levodopa, muito usada no tratamento da doença de Parkinson, liga-se ao transportador que normalmente transporta a fenilalanina. O ferro é absorvido com o auxílio de transportadores específicos na superfície da mucosa jejunal e o cálcio é absorvido por um transportador dependente de vitamina D.
Fatores que afetam a absorção gastrointestinal de medicamentos
Aproximadamente 75% de um fármaco administrado por via oral é absorvido em 1 a 3 horas. No entanto, alguns fatores fisiológicos ou os relacionados com sua formulação podem alterar essa absorção. Esses fatores incluem conteúdo intestinal (alimentado ou em jejum), motilidade gastrointestinal, fluxo sanguíneo esplâncnico, tamanho da partícula e formulação, assim como fatores físico-químicos, incluindo algumas interações entre fármacos.
Alimentação pode afetar a administração oral de medicamentos?
A influência da alimentação, que altera tanto o conteúdo intestinal como o fluxo de sangue esplâncnico, é rotineiramente examinada em fases precoces dos ensaios clínicos, e os conselhos de prescrição são elaborados de acordo com eles.
São inúmeros exemplos de alimentos que podem afetar a absorção dos fármacos. Iremos dar o exemplo do leite que contêm iões de cálcio que podem interagir com as tetraciclinas e formar um composto insolúvel, incapaz de ser absorvido.
A motilidade gastrointestinal tem grande efeito. Por exemplo, muitos distúrbios (enxaqueca, neuropatia diabética, entre outros) causam estase gástrica, reduzindo a absorção de fármacos. O tratamento com fármacos também pode afetar a motilidade, reduzindo-a (fármacos que bloqueiam receptores muscarínicos) ou aumentando-a (metoclopramida, um antiemético usado no tratamento da enxaqueca para facilitar a absorção de analgésicos).
Peristaltismo
O movimento excessivamente rápido do conteúdo intestinal (como nalguns tipos de diarreia) pode comprometer a absorção de medicamentos. Diversos fármacos (como o propranolol) alcançam uma concentração plasmática mais alta se tomados após uma refeição, provavelmente porque o alimento aumenta o fluxo sanguíneo esplâncnico.
Por outro lado, esse fluxo é acentuadamente reduzido por hipovolemia ou insuficiência cardíaca, com consequente redução na absorção de fármacos.
Leia mais sobre a motilidade do tubo gastrointestinal.
Tamanho de partícula
O tamanho da partícula e a formulação exercem importantes efeitos sobre a absorção de medicamentos administrados pela via oral. Às vezes, os comprimidos provenientes de diferentes fabricantes podem resultar em concentrações plasmáticas muito diferentes, apesar de terem o mesmo conteúdo (concentração) de fármaco nos comprimidos. Isso pode acontecer pelas diferenças no tamanho das partículas.
No corpo humano, as partículas coloidais devem passar pela camada de muco que reveste o trato gastrointestinal antes da absorção, que têm poros com tamanhos em torno de 0,4 µm (Ozturk et al, 2015). Portanto, os fármacos devem ser formulados olhando na perspectiva de terem tamanhos inferiores a 400 nm. Se os tamanhos delas foram superiores, obviamente teremos pouco fármaco absorvido e consequentemente um efeito diferente do esperado.
Formulação de medicamentos de administração oral
Por outro lado, os produtos terapêuticos são produzidos de modo a alcançar as características de absorção desejadas. As cápsulas podem ser projetadas para permanecer intactas por algumas horas após a ingestão para retardar a absorção; os comprimidos podem ter um revestimento resistente para produzir o mesmo efeito.
Noutros casos, faz-se uma mistura de partículas de liberação lenta e rápida na mesma cápsula, a fim de promover uma absorção rápida, mas sustentada. Sistemas farmacêuticos mais elaborados incluem diversas preparações de liberação modificada que tornam possível administração menos frequente.
Tais preparações não somente aumentam o intervalo entre as doses, como também reduzem os efeitos adversos
relacionados com os altos picos de concentração plasmática após a administração oral de uma forma farmacêutica convencional.
Quando os fármacos são engolidos, em geral, a intenção é que sejam absorvidos e causem efeito sistêmico, mas existem exceções. Por exemplo, a vancomicina é muito pouco absorvida, sendo administrada oralmente para erradicar o Clostridium difficile do tubo intestinal em pacientes com colite pseudomembranosa.
Principais Vantagens da Via Oral
A administração oral de medicamentos apresenta diversas vantagens significativas que a tornam uma escolha preferida tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde. Em primeiro lugar, a conveniência e a facilidade de uso são aspectos primordiais. A via oral permite que os pacientes tomem os medicamentos no conforto de suas casas, sem a necessidade de assistência profissional constante, o que é particularmente benéfico para tratamentos prolongados e para aqueles com mobilidade reduzida.
Além disso, a administração oral é considerada uma das formas mais seguras de entrega de medicamentos. Por ser uma abordagem não invasiva, minimiza os riscos de infecção e outras complicações associadas a métodos que requerem dispositivos invasivos, como injeções ou infusões intravenosas. Assim, reduz-se significativamente o risco de eventos adversos relacionados ao procedimento de administração em si.
Outro aspecto crucial é a aceitabilidade pelos pacientes. A maioria das pessoas prefere tomar medicamentos por via oral em detrimento de métodos como injeções, que podem ser dolorosas e causar desconforto. A aceitabilidade é um fator determinante na adesão ao tratamento, garantindo que os pacientes sigam corretamente as prescrições médicas, o que é essencial para a eficácia do tratamento.
Por fim, a administração oral de medicamentos é geralmente mais econômica em comparação com outras vias. A produção de formas farmacêuticas orais, como comprimidos e cápsulas, tende a ser menos dispendiosa. Além disso, a simplicidade do método reduz a necessidade de equipamentos especializados e de pessoal treinado para a administração, resultando em uma redução significativa dos custos totais de tratamento. Esse fator é particularmente relevante em sistemas de saúde pública e em contextos de recursos limitados.
Desvantagens
A administração oral de medicamentos, embora amplamente utilizada, apresenta diversas desvantagens e limitações que necessitam ser consideradas. Uma das principais questões é a absorção variável, influenciada por múltiplos fatores, como a integridade do trato gastrointestinal, a presença de alimentos e o pH gástrico. Essas variáveis podem afetar significativamente a biodisponibilidade do fármaco, resultando em eficácia terapêutica inconsistente.
O efeito de primeiro passo hepático é outra limitação crítica da via oral. Após a administração, os medicamentos são absorvidos no trato gastrointestinal e transportados para o fígado através da veia porta hepática. Durante esta passagem inicial pelo fígado, uma porção significativa do medicamento pode ser metabolizada antes de atingir a circulação sistêmica, reduzindo a quantidade de fármaco disponível para exercer seu efeito terapêutico. Isso pode exigir doses maiores ou formulações específicas para alcançar a concentração desejada no sangue.
A influência da alimentação também é um fator importante a ser considerado. A presença de alimentos no estômago pode retardar ou acelerar a absorção de certos medicamentos, dependendo de suas propriedades químicas. Além disso, o pH gástrico, que pode variar com a dieta e o uso de outros medicamentos, pode alterar a solubilidade e a estabilidade de alguns fármacos, afetando sua absorção e eficácia.
Certos grupos de pacientes, como aqueles com dificuldades de deglutição, apresentam desafios adicionais para a administração oral de medicamentos. Isso pode incluir idosos, crianças pequenas e pacientes com condições neurológicas ou musculares que dificultam a deglutição de comprimidos ou cápsulas. Nesses casos, a administração oral pode não ser viável ou segura, exigindo alternativas como formas líquidas ou outras vias de administração.
Alternativas à Via de Administração Oral
Embora a administração oral seja amplamente utilizada devido à sua conveniência e segurança, existem várias alternativas que podem ser mais apropriadas em determinadas situações clínicas. Entre elas, destacam-se as vias intravenosa, intramuscular, subcutânea, tópica e inalatória, cada uma com suas particularidades e vantagens específicas.
Via Intravenosa
A via intravenosa (IV) envolve a administração direta de medicamentos na corrente sanguínea. Esta via é preferida em situações que exigem ação rápida, como emergências médicas e cuidados intensivos. Além disso, a via intravenosa permite a administração de grandes volumes de fluidos e medicamentos, garantindo uma absorção completa e imediata. A vantagem principal desta via é a possibilidade de controlar de maneira precisa a dosagem administrada, essencial em tratamentos que demandam cuidados rigorosos.
Via Intramuscular
A administração intramuscular (IM) é realizada através da injeção de medicamentos diretamente nos músculos. Esta via é vantajosa para substâncias que são mal absorvidas pelo trato gastrointestinal ou que causam irritação gástrica. Medicamentos administrados por via intramuscular geralmente têm uma absorção rápida, mas não tão imediata quanto a intravenosa, tornando-a ideal para imunizações e medicamentos de ação prolongada.
Via Subcutânea
A via subcutânea (SC) envolve a injeção de medicamentos no tecido adiposo abaixo da pele. Esta opção é utilizada para medicamentos que requerem uma absorção lenta e constante, como a insulina. É frequentemente escolhida para autoadministração devido à facilidade e menor dor associada ao procedimento. A via subcutânea é particularmente útil em tratamentos crônicos onde uma liberação contínua do medicamento é benéfica.
Via Tópica
A administração tópica implica a aplicação de medicamentos diretamente sobre a pele ou mucosas. Esta via é frequentemente utilizada para tratar condições dermatológicas locais, como eczema e infecções cutâneas. Uma das principais vantagens da administração tópica é a redução de efeitos colaterais sistêmicos, já que a absorção do medicamento é predominantemente local. Esta via também é usada para administrar hormônios, como estrogênio, através de adesivos transdérmicos.
Via Inalatória
A via inalatória permite a administração de medicamentos diretamente nos pulmões através da inalação. É amplamente utilizada em tratamentos de doenças respiratórias, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). A vantagem desta via é a entrega direta do medicamento ao local de ação, proporcionando alívio rápido dos sintomas respiratórios com menor dose total em comparação à administração oral.
Considerações Finais e Recomendações
Em suma, a via de administração oral possui diversas vantagens e desvantagens que devem ser cuidadosamente avaliadas ao considerar o tratamento medicamentoso para diferentes pacientes. Entre as vantagens, destaca-se a conveniência e a facilidade de administração, a boa aceitação pelos pacientes e a grande variedade de formas farmacêuticas disponíveis. Por outro lado, as desvantagens incluem a possibilidade de interação com alimentos, a variabilidade na absorção do medicamento e a ocorrência de efeitos adversos gastrointestinais.
Para escolher a via de administração mais adequada, é fundamental levar em conta fatores como a condição clínica do paciente, a natureza do medicamento, a urgência do tratamento e a presença de comorbidades. Pacientes com dificuldades de deglutição, por exemplo, podem se beneficiar de formas farmacêuticas líquidas ou alternativas à via oral, como a via sublingual ou parenteral. Em casos de emergência, onde é necessária uma ação rápida do medicamento, a via intravenosa pode ser a mais indicada.
Além disso, é crucial considerar a adesão do paciente ao tratamento. Medicamentos de administração oral que exigem múltiplas doses diárias podem impactar negativamente a adesão, enquanto formas de liberação controlada podem melhorar a conveniência e a eficácia do tratamento. Portanto, a escolha da via de administração deve ser personalizada e baseada em uma avaliação completa das necessidades e preferências do paciente.
Por fim, é imprescindível ressaltar a importância da consulta médica na decisão sobre a via de administração de medicamentos. Somente um profissional de saúde pode avaliar adequadamente todas as variáveis envolvidas e prescrever a forma mais segura e eficaz de tratamento. Assim, uma abordagem individualizada e baseada em evidências é essencial para garantir o sucesso terapêutico e a segurança do paciente.