A intoxicação pode ser definida como um conjunto de efeitos adversos produzidos por um agente químico (ou físico), em decorrência de sua interação com o sistema biológico.
É, em outras palavras, o desequilíbrio orgânico ou o estado patológico provocado pela interação entre o agente químico e o organismo, sendo, via de regra, revelados clinicamente por um conjunto de sinais e sintomas tóxicos.
Logicamente, o efeito tóxico só será produzido, se a interação com o receptor biológico apropriado ocorrer em dose e tempo suficientes para quebrar a homeostasia do organismo.
Existem, então, na grande maioria das vezes, uma série de processos envolvidos, desde o contato do agente tóxico com o organismo, até o aparecimento dos sintomas clínicos que revelam esta interação. Isto permite dividir a intoxicação em 4 fases distintas, a saber:
- Fase de Exposição: corresponde ao contato do agente tóxico com o organismo.
- Fase Toxicocinética: consiste no movimento do agente tóxico (AT) dentro do organismo. É formada pelos processos de Absorção, Distribuição e Eliminação (Bio-transformação e Excreção).
- Fase Toxicodinâmica: corresponde à ação do AT no organismo.
- Fase Clínica: corresponde à manifestação clínica dos efeitos resultantes da ação tóxica.
Classificação da intoxicação
Inicialmente, para compreendermos a classificação da intoxicação devemos saber diferenciar efeito indesejável de efeito adverso e tóxico. Conheça um pouco mais da toxicologia. A seguir descrevemos esses conceitos.
Efeitos indesejáveis
O espectro de efeitos indesejáveis é amplo. Por exemplo, na terapêutica, cada droga produz um número de efeitos, mas apenas um está relacionado com o papel terapêutico procurado. Todos os outros efeitos são indesejáveis, para aquela indicação terapêutica.
No entanto, estes efeitos indesejáveis podem se tornar desejáveis para uma outra indicação terapêutica da droga. Por exemplo: a secura da boca é um efeito desejado da atropina, quando ela é usada como medicação pré-anestésica, mas passa a ser indesejável, quando a atropina é usada no tratamento da úlcera péptica.
Efeitos Adversos ou nocivos
Os efeitos adversos são aqueles que ocorrem com uma exposição intermitente ou continuada e que dão lugar à diminuição da capacidade funcional (determinada por parâmetros anatômicos, fisiológicos e bioquímicos ou de comportamento) ou a uma diminuição da capacidade para compensar tensões adicionais.
São reversíveis durante a exposição ou logo cessada esta, quando tais alterações causam diminuições detectáveis da capacidade do organismo para manter a homeostase; e realçam a suscetibilidade do organismo aos fatores nocivos de outras influências ambientais. Podem ser causados por fatores químicos, físicos, biológicos ou mecânicos.
Efeitos Tóxicos são os efeitos adversos causados por substâncias químicas e são, na maioria das vezes, dose-dependentes. Todo o efeito tóxico é indesejável e adverso, mas nem todo efeito adverso é tóxico.
Alguns tipos de reações adversas
Reações Idiossincráticas ou Idiossincrasias Químicas: são respostas quantitativamente anormais a certos agentes tóxicos provocados, geralmente, por alterações genéticas. O indivíduo pode ter uma resposta adversa com doses baixas (não-tóxicas) ou então ter uma resposta extremamente intensa com doses mais elevadas. Exemplo: sensibilidade anormal aos nitritos e outros metemoglobinizantes, devido à deficiência, de origem genética, na NADH-metemoglobina redutase.
Reações Alérgicas ou Alergia Química são reações adversas que ocorrem somente após uma prévia sensibilidade do organismo ao AT, ou a um produto quimicamente semelhante. Na primeira exposição, a substância age como um hapteno e promove a formação dos anticorpos, que em 2 ou 3 semanas estão em concentrações suficientes para produzir reações alérgicas em exposições subsequentes. Alguns toxicologistas não concordam que as alergias químicas sejam efeitos tóxicos, já que elas não obedecem ou apresentam uma curva dose-resposta (elas não são dose dependente como a grande maioria dos efeitos tóxicos). Entretanto, como a alergia química é um efeito indesejável e adverso ao organismo, pode ser reconhecido como efeito tóxico.
Efeito Imediato, Crônico e retardado: (1) imediatos ou agudos são aqueles que aparecem imediatamente após uma exposição aguda, ou seja, exposição única ou que ocorre, no máximo, em 24 horas; (2) Efeitos crônicos são aqueles resultantes de uma exposição crônica, ou seja, exposição a pequenas doses, durante vários meses ou anos.
O efeito crônico pode advir de dois mecanismos: (a) somatória ou acúmulo do agente tóxico no organismo: a velocidade de eliminação é menor que a de absorção, assim ao longo da exposição o AT vai sendo acumulado no organismo, até alcançar um nível tóxico. (b) somatória de efeitos: ocorre quando o dano causado é irreversível e, portanto, vai sendo aumentado a cada exposição, até atingir um nível detectável; ou, então, quando o dano é reversível, mas o tempo entre cada exposição é insuficiente para que o organismo se recupere totalmente.
E, (3) Efeitos retardados são aqueles que só ocorrem após um período de latência, mesmo quando já não mais existe a exposição. O exemplo mais conhecido é o efeito carcinogênico, sendo que alguns deles podem ter um período de latência entre 20-30 anos.
Efeitos Reversíveis e Irreversíveis: a manifestação de um ou outro efeito vai depender, via de regra, da capacidade do tecido lesado em se recuperar. Assim, lesões hepáticas são geralmente reversíveis, já que este tecido tem grande capacidade de regeneração, enquanto as lesões no sistema nervoso central (SNC) tendem a ser irreversíveis, uma vez que as células nervosas são pouco renovadas.
Efeitos Locais e Sistêmicos: o efeito local refere-se àquele que ocorre no local do primeiro contato entre o AT e o organismo. Já o sistêmico exige uma absorção e distribuição da substância, de modo a atingir o sítio de ação, onde se encontra o receptor biológico.
Existem substâncias que apresentam os dois tipos de efeitos. (Ex.: benzeno, chumbo tetraetila, etc). Algumas vezes uma lesão local intensa pode levar ao aparecimento de um efeito sistêmico. Ex.: queimaduras intensas com ácidos podem levar a uma lesão renal, devido à perda excessiva de líquidos.
Efeitos Resultantes da Interação de Agentes Químicos: o termo interação entre substâncias químicas é utilizado todas as vezes que uma substância altera o efeito de outra. A interação pode ocorrer durante as fases de exposição, toxicocinética ou toxicodinâmica.
Como conseqüência destas interações podem resultar diferentes tipos de efeitos:
- Efeito Aditivo ou Adição: é aquele produzido quando o efeito final dos dois agentes é igual à soma dos efeitos individuais, que aparecem quando eles são administrados separadamente (1 + 1 = 2). : inseticidas organofosforados.
- Efeito Sinérgico ou Sinergismo que ocorre quando o efeito dos agentes químicos combinados é maior do que a soma dos efeitos individuais (1 + 1 = 10). Ex.: a hepatotoxicidade resultante da interação entre tetracloreto de carbono e álcool é muito maior do que aquela produzida pela soma das duas ações em separado, uma vez que o etanol inibe a biotransformação do solvente clorado.
- A Potenciação ocorre quando um agente químico, que não tem ação sobre um determinado órgão, aumenta a ação de um outro agente sobre este órgão (0 + 1 = 10). Ex.: o isopropanol, que não é hepatotóxico, aumenta excessivamente a hepatotoxicidade do tetracloreto de carbono.
Efeito Antagônico ou Antagonismo: ocorre quando dois agentes químicos interferem um com a ação do outro, diminuindo o efeito final. É, geralmente, um efeito desejável em Toxicologia, já que o dano resultante (se houver) é menor que aquele causado pelas substâncias separadamente.
Tipos de antagonismos
Antagonismo químico, também chamado neutralização: Ocorre quando o antagonista reage quimicamente com o agonista, inativando-o. Este tipo de antagonismo tem um papel muito importante no tratamento das intoxicações. Ex.: agentes quelantes como o EDTA, BAL e penicilamina, que seqüestram metais (As, Hg, Pb, etc.) diminuindo suas ações tóxicas.
Antagonismo funcional: Ocorre quando dois agentes produzem efeitos contrários em um mesmo sistema biológico atuando em receptores diferentes. Ex.: barbitúricos que diminuem a pressão sangüínea, interagindo com a norepinefrina, que produz hipertensão.
Antagonismo não-competitivo, metabólico ou farmacocinético: É quando um fármaco altera a cinética do outro no organismo, de modo que menos AT alcance o sítio de ação ou permaneça menos tempo agindo. Ex.: bicarbonato de sódio que aumenta a secreção urinária dos barbitúricos; fenobarbital que aumenta a biotransformação do inseticida paraoxon, diminuindo sua ação tóxica.
Antagonismo competitivo, não-metabólico ou farmacodinâmico: Ocorre quando os dois fármacos atuam sobre o mesmo receptor biológico, um antagonizando o efeito do outro. São os chamados bloqueadores e este conceito é usado, com vantagens, no tratamento clínico das intoxicações. Ex.: Naloxone, no tratamento da intoxicação com opiáceos.